Importância dos anfíbios
Sapos, rãs e pererecas são muito úteis para o homem e para o meio ambiente
Fonte e texto de UFMT Ciência "A importância dos Anfíbios"
Kambô (Phyllomedusa bicolor). A secreção que sai da pele do sapo Kambô é utilizada em rituais indígenas e pesquisas indicam que ela aumenta a imunidade. Foto: Saymon Albuquerque
Quando vemos sapos, rãs e pererecas dificilmente sabemos da importância desses anfíbios, que são pertencentes à ordem dos anuros. Como todo animal, eles fazem parte da cadeia alimentar, se nutrindo de insetos e outros invertebrados. Ou seja, entre outras coisas, eles são responsáveis pelo controle de diversas pragas.
Mas essa não é a sua única função. Atualmente, já se sabe que esses animais são bioindicadores, ou seja, sua presença num local funciona como indicador de que o ambiente está em equilíbrio ecológico. “Os anuros são altamente sensíveis às alterações do ambiente. Por depender de ambientes aquáticos e terrestres em bom estado de conservação, qualquer alteração na qualidade da água e na temperatura pode extinguir espécies. Então, quando eles começam a desaparecer algum dano ao ambiente pode estar acontecendo”, afirma Adelina Ferreira, doutora de biologia que trabalha com a reprodução dos anuros e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Não é só. Estes anfíbios apresentam substâncias em sua pele com funções de proteção, o que tem atraído a atenção de grandes laboratórios farmacêuticos. “Os anuros não tem garras nem dentes poderosos, por isso eles usam a secreção para se proteger de fungos, bactérias, protozoários e de predadores maiores. São diversas espécies com compostos químicos muito variados, visados para estudos de substâncias novas que possam servir para várias utilidades”, aponta Marcos André de Carvalho, doutor em zoologia e professor da UFMT.
O primeiro passo para entender o potencial dessas secreções é a pesquisa. Os estudos têm como objetivo detectar as substâncias que estão presentes no corpo do animal. Para isso, os pesquisadores retiram a pele de alguns anuros e a dissolvem em produtos químicos.
A partir desse processo se separa os conteúdos que são interessantes ou desconhecidos através de análises microscópicas. Após essa separação, são feitos testes para determinar a reação desses compostos em contato com bactérias, fungos e células humanas. Tudo com o objetivo de observar a toxidade e a interação das substâncias.
Para essa investigação não é necessária uma grande quantidade de anfíbios. Com poucos exemplares é possível determinar as substâncias presentes, e, a partir dos dados obtidos, a composição pode ser sintetizada, ou seja, produzida artificialmente em laboratório. “Uma vez que já tem a substância ela acaba sendo produzida em laboratório, artificialmente. Na verdade ela só inspira, até mesmo porque sintetizar fica mais barato do que você criar os animais”, acrescenta Marcos.
Substâncias Promissoras
O anuro Pseudis paradoxa, comumente chamada de pé de pato, pode produzir substâncias com potencial para tratar o diabetes. Foto: Paulo Robson de Souza
A pesquisa para o desenvolvimento dessas substâncias pode levar muitos anos. No entanto, já se sabe que as secreções dos anfíbios são úteis para diversos tratamentos medicinais, tendo ativos antifúngicos, analgésicos e anestésicos. Compostos químicos encontrados em espécies dos gêneros Brachycephalus (sapos com a coloração predominantemente marrom e alaranjada), Dendrobates (conhecidos pela cor brilhante), Phyllomedusa (anfíbios com os dedos reduzidos ou ausentes) e Rana (rãs que possuem cor verde com manchas pretas) estão sendo amplamente pesquisados. “Devido aos estudos já se sabe que substâncias dessas espécies poderão atuar, por exemplo, como substitutas da morfina, no tratamento do mal de Alzheimer, da doença de Chagas e, até mesmo, no combate ao câncer”, aponta Domingos.
Os Rhinella diptycha, conhecidos como sapos cururus, possuem na sua pele dois tipos de esteróides capazes de matar o parasita causador da leishmaniose e o causador da doença de Chagas, o Trypanosoma cruzi. Substâncias das pequenas rãs sul-americanas da família Dendrobatidae, conhecida como rãs-flecha-venenosas, estão sendo estudadas por serem descritas como produtoras de uma das toxinas animais mais venenosas. Na América do Sul, também foram detectados potentes antimicrobianos e cicatrizantes de pererecas verdes das espécies Phyllomedusa bicolor (rã Kambô), Phyllomedusa distincta (perereca macaco), Phyllomedusa tarsius (se assemelham a rã Kambô, se diferenciando por possuir a íris vermelho-laranja com retículo negro) e Phyllomedusa sauvagii(perereca arborícola).
Pingo-de-ouro (Brachycephalus ephippium). Foto: Matheus Moroti
Patas Adesivas
Perereca-de-inverno (Boana prasina) padrão Dendropsophus cruzi. Foto: Bruno Corrêa
verde. Foto: Edelcio Muscat
O fato de a perereca poder subir na parede a vida inteira, sem perder a “cola” das suas patas, também é algo que vem sendo estudado pelos pesquisadores. “Imagina, uma perereca gruda na parede, depois pula e gruda de novo. Uma fita adesiva você usa no máximo duas vezes. Por isso o pessoal está estudando essa adesão para criar um adesivo que você pode reutilizá-lo várias vezes, o que criaria uma grande diferença pelo ponto de vista da sustentabilidade”, afirma Christine Strüssmann, doutora em Biociências e professora da UFMT.
Uma espécie bem comum em Cuiabá, encontrada também em alguns estados como Pará e Mato Grosso do Sul, é a Trachycephalus typhonius. Esse anfíbio é conhecido como perereca cola e vem sendo amplamente estudada. As secreções que ela libera possuem grande poder de adesão, semelhante a uma cola, que é liberada pelo animal para sua defesa de predadores e microorganismos. Essa substância vem sendo pesquisada para servir como cola cirúrgica para órgãos que não podem sofrer suturas, como, por exemplo, o fígado e o baço.
Em Mato Grosso, principalmente no Pantanal, se encontra a Pseudisparadoxa, espécies de perereca conhecida como pé de pato, apelido dado por ser um animal aquático. Um grupo de pesquisadores indianos descobriu um principio ativo na pele desse anfíbio que pode oferecer alternativas para o tratamento de diabetes.
O grande problema da maioria dessas descobertas, segundo Strüssmann, é a patente da substância, que geralmente é conquistada por estudiosos estrangeiros. “Os anuros são uma farmácia viva, com uma utilidade ainda potencial e não real. Estudos ainda devem ser feitos, mas outros países, por apresentarem mais recursos e pesquisas, geralmente saem na nossa frente e patenteiam as substâncias.Nós aqui acabamos tendo que seguir direitos de propriedade de espécies que são nossas”, acrescenta.
Substância que aumenta a imunidade
Os anuros também são usados em rituais indígenas. A secreção da rã verde Phyllomedusa bicolor, apelidada de sapo Kambô, é utilizada pelos índios do katukina, matsésevárias e outras tribos amazônicas como uma substância que afasta a fraqueza.
Os índios buscam na floresta o sapo Kambô o irritam para que ele libere o veneno nas glândulas. Eles retiram esse veneno e colocam em um recipiente. Após seca e cristalizada, essa secreção é passada na pele dos índios, em pequenos furos feitos com brasa. Com isso a substância entra rapidamente na corrente sanguínea, causando diversas reações.
“A literatura chama os efeitos desse ritual de bebedeira ao contrário. Na hora que entra em contato com a pele a pessoa sente formigamento, calor e tem muitos vômitos. Depois, aos poucos, vão melhorando até atingir um estado de inocuidade, onde a pessoa não sente fome, sede, depressão, não tem problemas de pele, problemas neurológicos, uma série de coisas. O kambô realmente aumenta a imunidade”, aponta Strüssmann, que já teve alunos que passaram pela experiência. Por essas características as secreções dessa rã são muito utilizadas pelos índios para a caça, já que eles chegam a ficar de 20 a 30 dias na floresta caçando.
O princípio ativo presente nos apokambô foi patenteado pelos Estados Unidos, o que causa problemas em termos de propriedade, de direitos autorais dos índios e também dos direitos de propriedade das comunidades indígenas. Já se tem conhecimento que pesquisas estão sendo feitas para descobrir quais substâncias secretadas pelo sapo aumentam a imunidade, com o objetivo final de utilizá-las no tratamento de doenças.
A perda de grandes soluções
Muitos animais são extintos antes mesmo que se possa conhecer suas propriedades. Foi o caso da rã de incubação gástrica, que abrigava os ovos dentro do estômago até que os sapinhos estivessem formados
As extinções são uma das grandes responsáveis pela perda de muitas substâncias, que podem até se tornar jamais conhecidas pelo homem.Um exemplo disso é o Rheobatrachus silus, conhecido pelo nome popular gastric-brooding frog (“rã de incubação gástrica”), sapo que possuí uma forma muito peculiar de reprodução. Após desovar, a fêmea ingeria os ovos, os incubava dentro do estômago, e os filhotes já saiam metamorfoseados em pequenos sapinhos.
No período que os ovos ficavam em seu estômago a fêmea produzia alguns hormônios que impediam que o órgão liberasse ácido gástrico. Esse potencial foi amplamente estudado do ponto de vista de substâncias que possam servir como medicamentos anti-úlcera.
Não foi possível realizar outras pesquisas pelo fato da espécie ser considerada extinta nos anos 80. Descoberto na Austrália, na década de 70, o anfíbio desapareceu rapidamente. “O bicho foi fotografado deixando o seu filhote sair já formado pela boca, o que chamou tanta atenção da parte médica como de exploradores. Todos queriam ter um bichinho desses para si, e aos poucos os sapos foram desaparecendo. Em apenas seis anos após ser registrado o animal já havia desaparecido. Sem contar que a única região que a espécie vivia era voltada para a mineração, o que acelerou a sua perda de habitat”, aponta Christine.
Os sapos, as pererecas e as rãs são anfíbios que fazem parte da ordem Anura, que significa “sem cauda”. O termo anuro é usado para representar esses animais, que possuem diferenças bem peculiares. Os sapos são animais predominantemente terrestres, possuem pele rugosa, membros dianteiros curtos e crânio com ossificação bem evidente. As pererecas são espécies mais arbóreas, que possuem os membros dianteiros e traseiros compridos e com discos adesivos nas pontas dos dedos. Já as rãs possuem a pele lisa e úmida e membros traseiros bem musculosos.
O estudo com anuros não é recente. Ainda nas décadas de 1930 e 1940 rãs da espécie Xenopus laevis foram amplamente utilizadas na Europa, Austrália e América do Norte em testes de gravidez. “Uma amostra de urina da mulher era injetada sob a pele do sapo. Caso a mulher estivesse grávida, um hormônio denominado gonadotrofina-coriônico em sua urina estimularia a fêmea dessa espécie a desovar”, afirma Domingos de Jesus Rodrigues, doutor em ecologia e professor da UFMT - Sinop.
Um dos primeiros ganhadores do Prêmio Nobel, Otto Loewi, teve seu trabalho baseado nos anuros. Otto foi premiado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1936, por pesquisar as transmissões dos impulsos nervosos. Para tal descoberta o pesquisador realizou testes em sapos.
Fonte e texto de UFMT Ciência: https://www.ufmt.br/ufmtciencia/es-es/todas-noticias/66-ciencias-biologicas/153-a-importancia-dos-anfibios